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Maria Eduarda Gonzalo

Maria Eduarda Gonzalo é o nome artístico de Maria Luciana Martins, actriz nascida em Olhão em 6 de Março de 1913, e falecida em Lisboa em 9 de Janeiro de 1955, com apenas 41 anos.

Foi a principal protagonista feminina de dois filmes de Carlos Porfírio - Um Sonho de Amor (1945) e Um Grito na Noite (1947) - e a peça de teatro O Cardeal Primaz, no palco do Teatro Nacional, orientado então por Amélia Rey Colaço e Robles Monteiro, em 1950.

Maria Luciana Martins, embora sendo filha de gente simples de Olhão (mãe vendedora na praça e pai aguadeiro), cedo sonha em ser artista.

É educada por uma madrinha de posses e pela mãe que lhe dão uma cultura de menina de classe média: frequenta a Escola Primária de Olhão, aprende a tocar piano, a bordar, e revela aptidões para o canto, sobretudo o fado.

Conta-se que aos 18 anos passa uma temporada na região de Serpa-Moura, onde aprende a montar a cavalo, o que lhe viria a ser muito útil para a interpretação do seu primeiro filme - Um Sonho de Amor.

É também aos 18 anos, em 1931, que casa com José Maria Duarte, mestre bem sucedido de pesca de cerco, de quem tem duas filhas. O casal fixa-se em Lisboa mas separa-se por divórcio em 1943.

A contradição flagrante entre a origem social de Maria Luciana e a sua educação, beleza e postura própria de menina das melhores famílias, gera uma reacção de despeito e inveja do povo. É assim que nos momentos de festas populares começam a correr quadras anónimas a amesquinhar cruelmente a sua família:

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Fotografia de Maria Eduarda Gonzalo, incluída em entrevista na revista de cinema Filmagem, nº 20, Lisboa, 4 de Dezembro de 1944, pp. 1 a 5.

O pai Aguadeiro
A mãe é como é
Manda a filha para a escola
com um lenço "Cachiné"

O pai é Aguadeiro
Tem um filho que é cigano
A mãe vende na praça
Mas a filha toca piano

Para compreender a última quadra é necessário esclarecer que o irmão de Maria Luciana Martins negociava em animais de tracção (burros e mulas), frequentemente com ciganos.

Esta animosidade permanente contra a futura artista, e cujas razões só podem ser encontradas na inveja mesquinha que ela despertava no povo da então pequena vila de Olhão, levaram a um distanciamento irreversível entre os olhanenses e esta sua concidadã. É isto que talvez explique o grande desconhecimento que Olhão ainda hoje tem do papel artístico relevante de Maria Luciana Martins.

Ainda hoje alguns testemunhos orais fazem diversos reparos à conduta moral de Maria Luciana face ao seu marido e filhas. João Vilares no seu livro  Quem é quem em Olhão? apresenta alguns destes testemunhos poucos credíveis, os quais referem que o marido de Maria Luciana terá descoberto que esta andava de amores com o seu médico particular, e por esse motivo, terá pedido divórcio. No entanto, um pouco mais adiante é o próprio João Vilares que entra em contradição quando escreve que o marido de Maria Luciana não queria o divórcio e continuou a perseguir durante bastante tempo a sua mulher na esperança de a reaver. Afinal, de acordo com tais testemunhos orais ficamos sem saber quem quis o divórcio e qual o verdadeiro motivo, pelo que se recomenda muito cuidado nas apreciações maldosas que ainda hoje possam ser feitas sobre a sua conduta, até porque, porventura, ainda poderão estar eivadas da mesquinhez hipócrita da época!

De acordo com outros testemunhos a que tive acesso, a verdadeira história é que Maria Luciana em primeiro lugar estaria enamorada de um outro rapaz, casando com o seu marido apenas  por pressão da mãe, o que, só por si, ajuda a explicar o divórcio consumado alguns anos mais tarde. Em segundo lugar, Maria Luciana divorciou-se primeiro e só depois teve um caso amoroso com o seu médico particular que, aliás, foi quem a conduziu até aos estúdios da Cinelândia, onde adoptou o nome artístico de Maria Eduarda Gonzalo.

Aqui,  sempre sob a orientação do pintor e realizador farense Carlos Porfírio, participou no seu primeiro filme em 1944.

Carlos Porfírio foi um homem de artes e letras polivalente - pintor, participante do movimento futurista, decorador, designer, poeta, etnólogo, museólogo e finalmente, cineasta -, aventurou-se no cinema realizando apenas dois filmes que sempre foram protagonizados por Maria Eduarda Gonzalo.

Da estreia do primeiro filme - Um Sonho de Amor -, escreve o Diário de Notícias de 24 de Agosto de 1948: "A Lisboa de 1900 - com a sua rede de intrigas, frivolidades e modas precárias - atravessada por um caso sentimental, em que se confrontam preconceitos e dramas, sátira e tragédia. Sentindo a perfeição, Fernanda (Maria Eduarda Gonzalo) acaba por morrer de amor."


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Um Sonho de Amor (1945)

Este filme foi uma autêntica superprodução portuguesa na época, sobretudo pelo fausto do vestuário e dos cenários. Apesar de alguns críticos apontarem insuficiências na montagem e qualidade do som do filme, todos eram unânimes a realçar a extraordinária presença e talento da estreante Maria Eduarda Gonzalo.

Em 1947, a artista olhanense vem ao Algarve para as filmagens do seu segundo e último filme, também sob a direcção de Carlos Porfírio - Um Grito na Noite: a protagonista é Francisca, o cenário é a serra algarvia (em Alcoutim), o tema é o amor e o contrabando através do Guadiana.

Este último filme é muito aplaudido pela crítica e pelo público, sendo um interessante documento etnográfico do Algarve interior. Novamente, Maria Eduarda Gonzalo é considerada uma importante descoberta para o cinema nacional.

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Um grito na Noite (1947)

Por curiosidade, no dia 18 de Abril de 1948 o filme estreou em Olhão com a presença da actriz, o que foi publicado no Correio Olhanense de dia 29.

O cineasta Leitão de Barros sente-se atraído pelo seu talento, e convida-a para o filme Vendaval Maravilhoso (estreado em 1949), mas Maria Eduarda declina o convite por razões ainda hoje desconhecidas, sendo este papel oferecido a Amália Rodrigues.

No Teatro Nacional D. Maria II, e sob a orientação da Companhia Amélia Rey Colaço - Robles Monteiro, entra em 1950 no principal papel feminino da peça O Cardeal Primaz.

O Diário de Lisboa de 22 de Julho de 1950 refere: "[...] Maria Eduarda Gonzalo, que se estreava, tem boa figura, uma linda voz e um conhecimento já profundo da arte cénica. É um novo valor no teatro, onde faltam caras bonitas, frescas de juventude, como a dela. Sem exagero, podemos dizer que triunfou[...]".

Maria Eduarda prepara ainda um programa de declamação e canto para se deslocar ao Brasil.

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Lisboa, Cinema Condes, 27 de Fevereiro de 1948: Carlos Porfírio (realizador), Emília Vilas e Maria Eduarda Gonzalo (as actrizes) na noite de estreia muito concorrida de Um grito na Noite.
(foto retirada de Marques, Maria da Graça Maia - O Algarve da antiguidade aos nossos dias: elementos para a sua história - Lisboa: Colibri, 1999, p.633).

Reside temporariamente em Faro (Rua de S. Luís) e, posteriormente nos arredores de S. Brás de Alportel (S. Romão e Vilarinhos).

Após três anos de sofrimento, morre em 1955 com carcinoma mamário aos 41 anos, e com ela, os seus sonhos de menina que queria ser uma grande artista.

Infelizmente, dos seus filmes, restam apenas alguns excertos sem som na Cinemateca Nacional.

No entanto, a acreditar nos críticos da época e nas reacções do público relatadas pelos jornais, Maria Eduarda Gonzalo teve, por breves e fugazes momentos, o brilho das grandes estrelas.

A morte, demasiado cedo, roubou-lhe injustamente a oportunidade de eternizar um pouco mais este brilho.

António Paula Brito

Fonte:
bulletCorreia, Emmanuel - Carlos Porfírio, cineasta - Lisboa: Colibri, 2001.
bullet Villares, João - Quem é quem em Olhão? - 1ª ed., 1º Vol., Livraria Clinar, Olhão, 2004
bullet artigo publicado no jornal "O Olhanense" em 1-2-2003, da autoria de Teodomiro Neto.

 

Nota: seguem dois artigos sobre cinema.

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No artigo Cinema no Algarve na primeira metade do séc. XX de Bruno Silva tem uma introdução sobre a temática no Algarve, com informações adicionais sobre Carlos Porfírio, Roberto Nobre, e Francisco Fernandes Lopes.

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No artigo 100 anos de Cinema em Olhão - 1908-2008, de David Martins, tem uma introdução sobre a temática em Olhão.