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A indústria conserveira em Olhão, surgiu em finais do séc. XIX, com a instalação das primeiras fábricas que produziam conservas de peixe em azeite e molhos. De facto, a primeira fábrica foi instalada em 1881, pela empresa francesa F. Delory, que pertencia a um grande grupo industrial e financeiro, com sede na região da Bretanha (Norte de França).
No início da década de 1880, estava a aumentar a emigração de olhanenses para o Sul de Angola e para o Brasil. O desenvolvimento da indústria conserveira, com a criação das fábricas e o desenvolvimento das pescas, veio travar, de algum modo, este surto de emigração.
A escassez de peixe no mar da Bretanha, levou a que vários armadores e
industriais franceses, logo seguidos por espanhóis e italianos,
procurassem noAlgarve, em Lagos e Vila Real, e depois em Olhão,
não somente uma fonte de matéria prima (peixe), mas também uma
região para deslocar as suas fábricas (Rodrigues,
Joaquim Manuel – A Indústria de Conservas de Peixe no Algarve,
Volume I, 1997) Em 13 de Março de 1893, um diploma governamental fixava a idade mínima de trabalho, em 16 anos para os rapazes, e 21 anos para as raparigas. Contudo, naprática, estas idades não eram respeitadas, e as fábricas tinham ao serviço operários mais novos, quer rapazes quer raparigas. O mesmo diploma, estabelecia a proibição das mulheres trabalharem durante quatro semanas após o parto, assim como a obrigação para as fábricas com maisde 50 operárias, de instalar creche, a menos de 300 metros da unidade fabril. Previa ainda, a possibilidade das mães se ausentarem temporariamente do postode trabalho para amamentar os filhos. Com o desenvolvimento da indústria conserveira e das pescas, grandes industriais, escolheram Olhão para aumentarem a sua produção de conservas depeixe, sendo aqui instaladas as fábricas de João António Pacheco (1893) e Ramirez & Cª (1893).A indústria foi crescendo, e em1901, vinte anos depois da instalação das primeiras unidades fabris, encontravam-se em laboração 8 fábricas de conservas,com o total de 316 homens (entre os quais 88 soldadores) e 306 mulheres (Nobre, Antero – História Breve da Vila de Olhão da Restauração, 1984) Em 1913 foi instalada nos Pinheiros de Marim, a fábrica Guerreiro e Cª, Lda, do industrial Guerreiro Carapinha. Era a unidade fabril preferida dasoperárias que residiam na zona oriental do concelho de Olhão, sendo conhecida entre as mulheres por fábrica do “Carepinha”. Ainda em 1913, foi instalada em Olhão uma fábrica do grande industrial algarvio Júdice Fialho. Mais tarde, a Vila de Olhão haveria de ser o principal centro conserveiro do
Algarve, e um dos mais importantes do País. Assim, no final da I
GrandeGuerra, em 1918, existiam em Olhão cerca de 80 fábricas,
embora algumas fossem pequenas unidades, de cariz familiar (Nobre,
Antero – História Breve da Vila de Olhão da Restauração, 1984,
pág. 60). Os salários de miséria, as duras condições de trabalho, e o facto de começarem a ser instaladas máquinas de soldar nas fábricas, substituindo asoldadura manual, levaram à revolta dos operários, em particular os soldadores. |
![]() Fábrica A. Valentim Xavier - a cravar as latas com a cravadeira
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Assim, em Janeiro de 1903, eclodiu uma greve no centro conserveiro de Lagos, em que participaram cerca de 500 operários. Depois, a 23 de Maio domesmo ano, foi a vez do centro conserveiro de Olhão entrar em greve, juntando também cerca de 500 operários. Logo a seguir, em Julho de 1903, ocorreu na Vila de Olhão uma greve histórica, no feminino, em que cerca de 100 operárias vieram a paralisar cincofábricas, entre elas a importante unidade fabril de origem francesa F. Delory (Tavares, Edite – Na Sombra dos Rostos, 1999). Poucos meses depois, em Outubro de 1903, foi criada a Associação de Classe das Operárias das Fábricas de Conservas de Peixe de Olhão, sendo fundadoras vinte mulheres. O documento de constituição da Associação é assinadopelas operárias Maria dos Prazeres, Maria da Quinta e Adelina Rosa, vindo esta última a ser a primeira presidente. O Alvará de legalização desta Associação é datado de 24 de Dezembro de 1903, sendo os Estatutos publicados no Diário do Governo de 17 de Maio de 1904. Em 1917, ainda na I Grande Guerra, em todo o País encontravam-se a laborar 188 fábricas, com o total de 14.679 operárias/os (Rodrigues, Joaquim Manuel – A Indústria de Conservas de Peixe no Algarve, 1997). No ano de 1934, quando foi criado o Consórcio Português de Conservas de Peixe, existiam em Olhão 37 fábricas, sendo o segundo centro conserveiro doPaís, a seguir a Setúbal (Cativo, Luciano – Ainda Olhão e a Indústria de Conservas de Peixe, 2001, pág. 11 e 23). Mantém-se em actividade a fábrica Conserveira do Sul, criada em 1954 por iniciativa de António Jacinto Ferreira, um grande industrial no âmbito dasconservas de peixe, que chegou a Olhão em 1918, com apenas 15 anos de idade. Começou do zero e subiu na vida a pulso, vindo a ser um industrial muitorespeitado pelos operários, pelos seus clientes e pela população da Vila em geral. |
![]() Fábrica A. Valentim Xavier - a lavar as latas |
Os seus descendentes têm praticado uma gestão rigorosa e sensata, sendo hoje uma das principais unidades conserveiras em laboração no País. Nas décadas de 50 e 60 do séc. XX, muitos homens das freguesias do concelho de Olhão, trabalhavam nas pescas e as mulheres nas fábricas de conservas depeixe. Foi um tempo áureo destas indústrias. A mão-de-obra era barata e a matéria prima (peixe) abundante. Quando havia abundância de peixe, as operárias trabalhavam à noite, fazendo o chamado serão. Nos meses em que o peixe escasseava nas unidades fabris, asmulheres deslocavam-se para as tarefas agrícolas nas hortas do Bom João e do Rio Seco, nos arredores de Faro. Neste caso, seguiam de comboio dos apeadeiros de Bias e de Marim para o
apeadeiro do Bom João (Faro), enquanto outras mulheres seguiam a
pé até juntode Faro, sobretudo as residentes na freguesia de
Pechão. Cada unidade fabril tinha a sua sirene que tocava quando era preciso mão-de-obra. O som das sirenes era diferente de fábrica para fábrica, mas asoperárias conheciam o som da “sua” fábrica. Quando a sirene tocava, pegavam no avental e no lenço, e seguiam estrada fora para o trabalho. Em muitos casos, o percurso até Olhão era efectuado pelahistórica estrada EN 125. Estas mulheres chegavam a fazer mais de 12 Km por dia, contando as deslocações de ida e volta. |
![]() Fábrica A. Valentim Xavier - a descabeçar o peixe
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Algumas horas depois, na altura em que estava prestes a terminar o serão, miúdos e rapazinhos partiam dos montes onde residiam, nas freguesias rurais doconcelho de Olhão, para irem esperar as suas mães ou outros familiares. Seguiam de lugares como Peares, Marim, Alecrineira, Poço Longo, Brancanes e Boavista, na freguesia de Quelfes, e Quatrim, Laranjeiro, Quatrim do Sul,Quatrim do Norte, Bias do Sul, Bias do Norte e Murtais, na freguesia de Moncarapacho. Também da Fuzeta iam mulheres para as fábricas. Mas também vinham para Olhão de locais mais distantes, como São Brás de Alportel, Almancil ou Quarteira, mulheres e raparigas que nos primeiros temposdormiam em barracões, sem o mínimo de conforto e de higiene, até encontrarem um alojamento mais condigno. No regresso, já noite adentro, vinham em agradável algazarra estrada fora,
constituindo um ritual que faz parte da memória colectiva das
freguesias do concelho de Olhão. Curiosamente, apesar da dureza
do trabalho e do modesto salário, estas mulheres regressavam a
casa com ar alegre na companhia dos seus filhos. Eram mulheres do campo, habituadas a uma vida dura, que chegavam a trabalhar 16 a 18 horas por dia, incluindo o trabalho nas fábricas, a actividade agrícola e as tarefas domésticas.
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![]() Fábrica A. Valentim Xavier - a enlatar o peixe
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Algumas mulheres das fábricas de Olhão eram acusadas de praticarem prostituição. Devemos salientar que a prostituição resulta, sobretudo, de dois factores: a pobreza e o analfabetismo. Na realidade era grande a taxa de analfabetismo entre as operárias e operários conserveiros, chegando a ultrapassar 80 %, e a miséria também era companhia habitual desta classe operária.
É aqui de referir que, apesar da vida modesta no aspecto económico, por vezes de miséria, alguns filhos de operárias conserveiras, num sentido tributo a suas mães, vieram a estudar e, com muito sacrifício, concluíram cursos médios ou superiores, nos Institutos e Faculdades em Lisboa.
Durante a última década, o Município de Olhão tem procurado manter viva a memória da indústria conserveira e das pescas.
Assim, numa homenagem às mulheres das fábricas, existe hoje na toponímica da cidade, a Rotunda das Operárias Conserveiras, junto da Doca, à entrada da Zona Industrial, inaugurada em 16 de Junho de 2020, com uma bela escultura de uma operária, da autoria do escultor José Carlos Almeida.
Por outro lado, desde 26 de Novembro de 2021, encontra-se patente n Largo da Fábrica Velha (antiga fábrica F.Delory), uma Exposição sobre a história da indústria conserveira em Olhão, preparada pelo Arquivo Municipal.