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O ARRAÚL

Arraúl foi um rapaz dotado de uma invulgar valentia, cujo nome quer dizer em sânscrito "amigo de bem fazer", o que se adequa à sua vida, porque foi ele quem criou o cordão dunar da actual Ria Formosa, que protege o Continente nesta zona do Algarve.

Dizem que o Arraúl era  o 20º filho do guarda-mor das colunas de Hércules, e o único sobrevivente da Atlântida, já que toda a população, assim como a própria ilha, desapareceram submersos, porque já na altura os deuses costumavam castigar os mortais quando eles se tornavam demasiados altivos e sobranceiros, o que sempre acontece nos momentos finais das grandes civilizações!

Arraúl, com aquela ondulação tumultuosa que submergiu a Atlântida, foi empurrado para o mar alto e engolido por uma enorme baleia. Com o Levante, a baleia almareou e devolveu-o ao mar ainda com vida. A força da corrente veio depositá-lo em terra firme, no Sítio das Prainhas, local onde Olhão se iniciou.

Logo se sentiu encantado com o lugar e receoso de outro cataclismo, decidiu proteger a costa nesta zona, carregando terra do Cerro da Cabeça para o mar. Para isso, construiu um enorme carro quadrado, com duas rodas quadradas - gostava de tudo o que era quadrado! – e ei-lo a escavar e carregar terra! Assim nasceu a língua de areia, que protege a costa, formando as ilhas da Fuseta, da Armona e da Culatra. As correntes fizeram com que esta areia aos poucos chegasse até Cacela e assim se formasse a actual Ria Formosa com todo o seu cordão dunar.

De realçar que, segundo a lenda, antes do Arraúl aparecer, o Cerro da Cabeça era maior que o Cerro de S. Miguel, mas com a escavação maciça a que foi sujeito foi abatendo ficando tal como é hoje, bastante menor que o Cerro de S. Miguel!

Nos seus carregamentos, alguns detritos caíam através do actual Sítio dos Murtais e Alfandanga, formando uma planície muito rica para agricultura. Por aqui viveu, durante muitos anos, fazendo vida de mar. Diz-nos a lenda que gostava muito de sardinhas e tinha o condão de as assar num fogareiro debaixo de água. Tal força possuía, que levantava com uma só mão e com a maior das facilidades, enormes barcos e respectiva tripulação.

O Arraúl tencionava também calcetar uma estrada através do oceano quer para o local onde outrora teria existido a sua antiga terra Atlântida,  quer para a América, no entanto, primeiro quis fazer uma grande cidade subterrânea no Cerro da Cabeça, aproveitando as grutas que lá criou enquanto carregava terra para o mar.

Segundo alguns, Arraúl perdeu-se para sempre nos diversos labirintos que criou no Cerro da Cabeça, mas outros dizem que terá morrido quando a montanha abateu.

Seja como for, nunca mais foi visto, dele tendo ficado apenas esta lenda, a Ria Formosa, e Olhão!

 

António Paula Brito

Nota: Esta lenda não é popular nem antiga. Aliás, podemos mesmo determinar a sua origem no séc. XX, pois é produto da imaginação de Abílio Gouveia,  que no seu trabalho contactava com um excêntrico carpinteiro chamado Raúl.

Abílio Gouveia foi um autodidata olhanense com uma grande cultura clássica e assim foi efabulando as histórias do Raúl com elementos classicistas e apareceu o Arraúl. A paternidade desta história está documentada nos livros de José Barbosa (Visto e ouvido... em Olhão... reflexões - Câmara Municipal de Olhão, 1993, p.150) e de João Villares (Olhão e Abílio Gouveia: o homem, o historiador, o olhanense - Câmara Municipal de Olhão, 1994, p.153)

A lenda teria desaparecido se Manuel Domingos Terramoto, já depois da morte de Abílio Gouveia, não tivesse escrito um artigo sobre a "lenda" do seu amigo, num boletim da biblioteca municipal (O Mirante - Biblioteca Museu, Câmara Municipal de Olhão, 1984). Baseado neste artigo, Conceição Pires divulgou esta lenda no seu livro "Elucidário Cidade de Olhão da Restauração" - 1ª ed. da autora, 2001.

Finalmente, eu próprio com outros elementos da APOS colocámos esta lenda e uma proposta de caminho turístico no nosso "Guia Turístico de Olhão", em 2010, que enviámos para a Câmara Municipal de Olhão.

A autarquia, pelos vistos, achou também que tinha interesse em incluí-la no denominado "Caminho das Lendas" inaugurado a 16 de Junho de 2014, no Bairro da Barreta e do Levante e assim apareceu, do nada, a Lenda do Arraúl...

Esta é a curiosa estória da criação de uma lenda!!!

O facto de neste caso podermos traçar de forma clara o trajeto criativo desta lenda, pode tirar-lhe algum romantismo, mas a lenda não deixa de ser muito interessante e sobretudo o seu processo criativo, aqui exposto, não deixa de ser mais um elemento interessante que acrescenta valor à lenda.

 

Fonte:

 

 

 

 

Outras lendas, outros mitos:

A Lenda de Marim
A Floripes
O Menino dos olhos grandes

O Mouro encantado

Lendas de Moncarapacho

A Torre de Bias