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Um trecho de música grega antiga – in Jornal “Primeiro de Janeiro”, 24-01-1951

 

 

A escassa dúzia de trechos musicais, completos ou incompletos, e mais três ou quatro fragmentos, que constituem, como se sabe, tudo o que da antiga música grega chegou até nós, - melodias quase todas vocais, aos quais sobressaem os dois célebres hinos délficos a Apolo, os hinos ao Sol, a Némesis, à Musa, e a canção que foi convertida no chamado, «hino cristão de Oxirrinco» -, é certamente a amostra mais completa, mais legível e, musicalmente, uma das mais típicas e interessantes, a chamada «ária de Trales» ou «canção de Seikilos», que dataria do século I da nossa era.

Trata-se da canção jocosa, que apareceu gravada num troço de coluneta funerária, encontrada entre as ruínas da antiga cidade de Trales, na Ásia Menor. Essa canção fazia parte do epitáfio duma defunta, cuja estátua se ergueria ao topo: - a amada Euterpe, fosse esposa ou amante, dum tal Seikilos, «bon vivant» por certo, a apreciar pela letra da dita canção, da sua autoria porventura, como a música, - se não é alguma canção em voga, meramente adaptada ali.

Descoberta, em 1883, pelo insigne arqueólogo inglês William M. Ramsay, e logo publicada a inscrição, só em 1891 os sinais especiais que se encontravam por cima das palavras das seis linhas centrais - na realidade quatro versos, mas escritos como prosa - foram reconhecidos como sinais da notação musical dos sons e sua respectiva duração -, pelo ilustre papirólogo austríaco Carl Wessely. Esses sinais foram depois interpretados devidamente, sobretudo pelo erudito Teodoro Reinach.

É de lamentar que a pedra original, conservada por muito tempo na colecção Young, em Budja, haja desaparecido desde o incêndio de Esmirna, em Setembro de 1923. Felizmente, porém, subsiste, pelo menos, uma fiel fotografia publicada por Laumonier.

Para perfeita elucidação do leitor, reproduzo, aqui o «fac-símiles» dado por Reinach no seu precioso livrinho sobre «La musique grecque», e explicarei que os sinais supralineares referidos representam: uns, (as letras deitadas ou em pé), os sons duma escala musical, segundo uma convenção já conhecida (no caso: a gama diatónica natural); os outros («traço» ou «ponto», sobrepostos a essas letras) a duração, «longa» ou «breve», desses sons (por exemplo: «semínima» e «colcheia»), havendo a observar ainda que a ausência de sinal de duração significa, igualmente, um tempo «breve».

A inscrição com a notação musical

 

Por esta forma se pode, com toda a facilidade e segurança, decifrar a música da referida canção, de inspiração retintamente pagã. Acrescentarei, para aqueles a quem isso interessar (o que, de resto, facilmente se verifica) que a gama musical da canção é o chamado, «modo hipofrígio», ou seja, a escala diatónica natural de sol, entoada «descendentemente», como é típico dos modos helênicos.

Reinach traduziu os versos em francês, desta maneira:

 

Tant que tu vis, brille;

ne t'afflige de rien autre mesure;

la vie dure peu;

le temps réclame son tribut...

 

Ao erudito helenista Prof. Dr. Carlos Simões Ventura, da Faculdade de Letras de Coimbra, devo o especial obséquio da tradução das linhas que precedem os versos, bem como a interpretação da linha terminal.

Vê-se, assim, que Euterpe, falando do seu túmulo, diria:

Sou imagem de pedra; põe-me aqui Seikilos como sinal perene duma recordação imorredoira. 

E no final, depois da canção: «Seikilos a Euterpe», ou seja, a dedicatória.

Quanto aos versos, a fim de se poder cantar em português esta famosa ária ou canção, dou aqui, acompanhando a música em notação actual, a tentativa que me atrevi a fazer, adaptada em ritmo e até, quanto me foi possível, em fonética. (Algum poeta verdadeiro poderá, com toda a vantagem certamente, substitui-la por versos esteticamente superiores, dentro da mesma fidelidade de sentido e de adaptação). A canção é musicalmente muito bela; e se, como opinava não sei que trovador, a música é a alma da canção, havemos de concordar em que esta bela alma bem digna é dum corpo formosíssimo...

Segue a tradução que, de entre vários ensaios, se me ofereceu como sofrível, à falta de melhor:

 

Brilha sempre enquanto és vivo;

não te aflijas nunca muito.

Breve é a vida: um instante apenas;

seu prémio o tempo reclama enfim...

 

A transcrição musical é dada no nosso tom de ré maior que corresponde ao tom (ou tropo) em que o dito modo hipofrígio se encontra notado na inscrição.

A transposição para a notação actual da canção grega

 

 

FRANCISCO FERNANDES LOPES