DENTINHO - JOSÉ ANTÓNIO DENTINHO (MESTRE)
Artigo copiado de Villares, João - Quem é quem em Olhão? - Livraria Clinar, 1º Vol., Olhão, 2004, p. 142-149.
Nasce em 1854. Falece em 1931. Poeta, Salvador de Vidas, Contrabandista. Mestre José António Dentinho foi uma das figuras mais populares e queridas de Olhão na última década do século passado e no primeiro quartel do presente, pelas suas aventuras de contrabandista audaz e engenhoso, algumas que alcançaram foros de legenda, e pela sua rica inspiração de poeta popular. Mas foi também e acima de tudo um dos últimos e mais brilhantes representantes dessa plêiada de grandes mareantes e insignes velejadores olhanenses, que se notabilizaram como mestres de caíque e mestres de chalupa em arriscadas viagens por mares longínquos e até costas distantes, e granjearam para os homens do mar de Olhão a justa fama de marinheiros inigualáveis, de que gozaram até há bem pouco tempo em todo o Portugal e mesmo para além dele. E esta última circunstância é mais do que suficiente para que a sua memória tenha merecido a homenagem que em 1968 a Câmara Municipal de Olhão lhe prestou, dando nome de Mestre José Dentinho a uma rua da sua terra natal. José António - que este é, apenas, o seu nome oficial como ele próprio dizia - nasceu em Olhão no dia 4 de Julho de 1854; e foram seus pais António do Espírito Santo e Maria de Sena. Trabalhando praticamente desde a infância com seu pai, nas fainas do mar entre os marítimos e pescadores olhanenses, inscreveu-se como marítimo profissional, na respectiva Capitania do Porto, em 1868, apenas com 14 anos de idade; mas, antes de completar os 20 anos (em Fevereiro de 1874) resolveu alistar-se na Armada e com esse fim deslocou-se para Lisboa. Ali, porque sabia ler, escrever e contar (como consta da sua caderneta militar e eram então coisa rara entre os marítimos da nossa terra), tinha muita prática das fainas do mar e revelou imediatamente extraordinária vocação e habilidade para os trabalhos de marinharia, foi promovido a 1° grumete logo no começo do ano seguinte (1875), a 2° marinheiro seis meses depois, a 1° marinheiro volvido um ano (1876) e a cabo marinheiro, por distinção, em 1880. E é de notar que, durante a sua permanência nas fileiras da Armada, foi algumas vezes louvado pelo seu zelo, dedicação ao serviço e competência profissional, e foi condecorado, em 1879, com a Medalha de Prata de Mérito, Filantropia e Generosidade, por actos de abnegação e heroísmo praticados em emergência graves de serviço, e em 1881 com a Medalha de Prova de Comportamento Exemplar. Tendo deixado a Armada precisamente em fins de 1881, José António voltou para Olhão e para as fainas piscatórias da Ria Formosa, na sua terra casando pouco depois com sua prima Maria do Carmo Dentinho, filha do marítimo José Dentinho Sénior, este que então vivia já com certa prosperidade, pois possuía um galeão de sociedade com o abastado proprietário local Manuel Machado e com o calafate João Martins Pereira. E é então, ou depois, que José António adopta o apelido do sogro e passa a usar o nome de José António Dentinho, que ficaria famoso na sua terra e mesmo fora dela. Em 1886, José António entra para a sociedade proprietária do galeão de que seu sogro era também sócio, com uma quota de quinhentos mil réis, dinheiro que seu sogro lhe emprestou, e como mestre do mesmo galeão começa propriamente a sua carreira de mestre de barco. Mas, poucos anos volvidos. adquire em propriedade plena uma chalupa do tipo tradicional Olhanense, e com ela inicia as carreiras de Gibraltar, Tanger e Ceuta, serviços de cabotagem ao longo de toda a costa ocidental portuguesa e mesmo longas viagens pelos Mediterrâneo, até portos mais longínquos e aparentemente mais inacessíveis para barcos daquelas dimensões e características. |
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E é nessas carreiras e nessas viagens, levando mercadorias de toda a espécie, designadamente produtos algarvios, trazendo sobretudo palma pra os mercados portugueses, e fazendo de mistura contrabando de importação de produtos ricos e raros, oriundos dos portos do Levante, arrostando continuamente com perigos sem conta nessa actividade clandestina e não poucas vezes com tempestades pavorosas, mas sempre com destemor e verdadeiro heroísmo, e principalmente mostrando-se em todas as circunstâncias um habilíssimo e competentíssimo navegador à vela, - é nessa actividade que José António Dentinho tornou famoso o seu nome e celebrizou a sua chalupa Gaivota, não só nos portos portugueses, mas também e em primeiro lugar nos de todo o Norte de África, como o atestaria depois o Cônsul de Portugal em Ceuta, num documento honradíssimo, que há anos tivemos ocasião de ler, por especial deferência de um dos seus filhos. Aliás, foi por intermédio dos seus filhos que conhecemos os principais pormenores da sua vida.
Durante mais de 40 anos, e até cerca dos anos 20 deste século, aquela actividade de Mestre Dentinho foi intensíssima. E também proveitosa, pois nela granjeou meios suficientes para fazer a sua casa, como nesse tempo por aqui se dizia, e para dar aos seus filhos possibilidades materiais de virem a colocar-se, pela sua ilustração, entre os Olhanenses mais distintos do seu povo. Depois, quando o peso dos anos o impediu de continuar a mesma actividade e os meios granjeados lhe permitiam descansar, passou a ser uma espécie de conselheiro dos mestres de barco olhanenses, por todos consultado e a todos ajudando com a sua experiência.
E então principalmente utilizou a sua inegável veia poética, escrevendo, enviando aos amigos e publicando no semanário Correio Olhanense as suas quadras de sabor popular, muitas de mera circunstância e a propósito de factos mais ou menos importantes da vida local, bastantes já conceituosas e até com certas pretensões a filosóficas, não poucas contendo verdadeira e autêntica poesia, embora de um lirismo ingénuo. Em 1929, a instâncias da rapaziada do Correio Olhanense (designadamente do José de Sousa Ferradeira e do Abílio Gouveia), Mestre Dentinho publicou, mesmo, um curiosíssimo opúsculo, hoje autêntica raridade bibliográfica, com meia centena de interessantíssimas quadras satíricas, a que deu o título de O Meu Testamento.
É ainda nesta última fase da sua vida que Mestre José Dentinho concebe a ideia poética e patriótica (assim ele próprio lhe chamava) de levar, no seu barco todos os poetas nacionais a visitarem os restos do domínio português no Norte de África, que ele tão bem conhecera e admirara nas suas andanças por aquelas paragens. Chega mesmo a corresponder-se em tal sentido com o grande poeta Afonso Lopes Vieira, a quem por carta o apresentou o Dr. Francisco Fernandes Lopes, e a fazer até proposta ao grande escritor e poeta Raúl Brandão, quando este visitou a que então ainda era a Vila Cubista, na recolha de elementos para o seu belo livro Os Pescadores. Aquele Mestre Mendinho que Raúl Brandão retrata com tanta maestria, apresentando-o como protótipo do homem do mar olhanense, na sua obra já célebre, não é outro senão o Mestre Dentinho, que o grande escritor conheceu pessoalmente em Olhão, com quem conversou longamente nos seus passeios pelos cais e pelos estaleiros, ouvindo o relato pitoresco de aventuras próprias e alheias, e que timonou com grande perícia o barco em que por fim o escritor percorreu os canais da Ria, foi até às Ilhas, e viu do mar, em noite luarenta, a pequena e pacata Olhão desse tempo na adormecida com os pés na maresia e sob a vigilância carinhosa do farolim da torre da Igreja Matriz.
Mestre José António Dentinho, a quem todos os garotos olhanenses da primeira vintena de anos deste século chamavam padrinho, porque ele a todos acarinhava, a todos entretinha horas seguidas com o relato das suas aventuras, reunindo-se à porta da sua residência pelas tarde primaveris e estivais, e a todos tratava também por afilhados, foi pai dos ilustres olhanenses Dr. José António Dentinho Júnior (professor e poeta distintíssimo), Capitão de Mar e Guerra Luciano de Sena Dentinho (talvez o último grande velejador da Marinha Portuguesa) e Tenente-Coronel Francisco José Dentinho (Cruz de Guerra de 1' classe e furragem da Torre e Espada), todos já falecidos. E ele próprio faleceu na sua terra natal em 10 de Fevereiro de 1931, há precisamente 50 anos, com 77 anos de idade.
Quem se lembrou por aqui de Mestre José Dentinho neste cinquentenário da sua morte? Com certeza a sua única filha, felizmente ainda viva, D. Maria do Carmo Sena Dentinho Guita, viúva do Dr. Manuel de Sousa Guita. E talvez um ou outro dos seus afilhados de memória mais segura. Pelo menos eu, que também fui dos que lhe chamaram padrinho, lhe ouvi as aventuras e depois ajudei a rever os versos no Correio Olhanense, não o esqueci. E aqui deixo, nesta evocação sem pretensões, a minha homenagem à memória de um dos olhanenses mais genuínos que conheci em toda a minha já não muito curta vida; um daqueles olhanenses genuínos que hoje já são raros ou até já não existem!
Pelo seu interesse, e a referência a dados pouco conhecidos, tomamos a liberdade - com a devida vénia - de incluir aqui partes de um artigo de Abílio Gouveia, que conheceu de perto mestre José Dentinho.
«Mestre» José António Dentinho, mareante audaz, filantropo, salvador de vidas e poeta, foi das figuras mais populares de Olhão de todos os tempos. Nascido na vila cubista a 4 de Julho de 1854, começou a sua carreira marítima com 10 anos incompletos, foi marinheiro durante sete anos e mestre por várias dezenas deles.
Marinheiro da melhor estirpe e conhecedor profundo de todos os portos do norte de África, ficou famoso pela vida aventurosa que levou. Autêntica figura legendária e pioneiro da navegação algarvia para os Portos de Marrocos e um dos primeiros portugueses a comercializar com os naturais, em permuta intensa de mercadorias, mestre Dentinho, classificado como dos mais gloriosos navegadores de sempre, deixou nome nos anais da navegação marítima da nossa província. Na sua histórica chalupa Gaivota fez durante dezenas de anos intenso tráfego de cabotagem entre Espanha, Marrocos, Argélia e Gibraltar. A sua terra muito lhe ficou a dever quando, nos momentos de grande crise, ele providenciava, trazendo para Olhão os géneros que faltavam no mercado, tão necessário à população e que distribuía graciosamente pelos mais necessitados.
«Nascido séculos antes (diz-nos um seu biógrafo - e a imagem está perfeitamente certa), teria andado nas caravelas do Infante, teria ido à Índia vestido de cota de armas e seria um caso sério na defesa da costa contra as investidas dos piratas».
Celebrizado pelo escritor Raúl Brandão na sua notável obra «Os pescadores», que dedica a Olhão um capítulo de 30 páginas, o maior do livro, Mestre Dentinho era altamente estimado por todos os seus contemporâneos, que lhe davam o tratamento familiar de padrinho.
Como salvador de vidas, ação de José António Dentinho foi das mais abnegadas e corajosas jamais verificadas. Vamos referir-nos, neste aspecto, apenas a dois salvamentos, efectuados em condições extremamente difíceis, que mereceram o beneplácito real e foram agraciados com medalhas de prata.
Quando marinheiro - número 134 - da corveta Bartolomeu Dias, navegando na baía de Ana Chaves (ilha de São Tomé), no dia 26 de Junho de 1896, «Lançou-se espontaneamente de bordo da dita embarcação para salvar um cabo marinheiro que caíra ao mar e estava em risco de perecer, por não saber nadar». Por este acto de altruísmo e por decreto de Sua Majestade, o rei D. Luís, foi agraciado com a medalha de prata de «mérito, filantropia e generosidade». Contava, então, José António Dentinho, 21 anos de idade.
Anos depois, em 1879, no dia 15 de Janeiro, novo salvamento se verificou, qua ndojá 1° marinheiro, «lançando-se de borda da corveta Duque de Palmeia, escola de alunos marinheiros, para salvar um aluno da mesma escola que caíra ao mar, o que conseguiu com muito custo». Tal acto de abnegação mereceu novamente a aprovação do rei D. Luís, que anuindo à proposta do Ministro e Secretário de Estado e dos Negócios da Marinha e Ultramar e por decreto de 13 de Fevereiro daquele ano, houve por bem fazer mercê ao denodado salvador, da «medalha de prata para distinção e prémio concedido ao mérito, filantropia e generosidade».
Há uma faceta bastante curiosa na vida de José António Dentinho. Era poeta. De feição popular, embora, e sem regras rígidas vieram à luz dois folhetos editados pela Casa Brasil, situada no largo da Lagoa, cujo proprietário, Manuel Alexandre dos Santos, lhe coligira os versos. Um dos folhetos tem por título Os meus afilhados - Temporal na Fonte Santa - O passeio do meu neto. Versos humorísticos. Foi publicado em 1926 e impresso na Tipografia Gomes, de Olhão. Tem 8 páginas e traz na capa a fotografia do autor.
O segundo folheto, intitulado O meu testamento. Versos humorísticos, não tem data de impressão e foi composto na tipografia da Editora Olhanense, Lda.. Tem igualmente na capa o retrato do poeta. O primeiro livrinho vendia-se a sete tostões e o segundo a dez. O meu testamento é a sua obrinha mais curiosa e também a mais conhecida. Na impossibilidade de levar para a sepultura tudo quanto existia na sua terra, dividia pelos interessados as coisas a que se achavam ligados. Assim no-lo diz na primeira quadra do livrinho: ... Vou fazer o meu testamento/ Tenho muito que deixar / dividir por toda a gente / O que não posso levar.
As suas produções foram na maioria publicadas no jornal - Correio do Sul - de Faro. Desta queda de mestre Dentinho para a poesia, nasceu curioso despique entre ele e o seu compadre João Machado Gonçalves (Machadinho), compositor e regente de filarmónicas locais. Todos os anos, por altura dos respectivos aniversários natalícios, os dois conhecidos se felicitavam mutuamente. Mestre Dentinho era um ano mais velho que o compadre. Fazia anos a 4 de Julho e Machado Gonçalves festejava a data no dia 5. A versalhada alusiva, sempre cheia de humorismo, era por vezes publicada na imprensa local e constituía motivo de boa disposição para os seus leitores.
Dizia mestre Dentinho, e com muita razão, que ele só tinha um dia para responder ao compadre e, portanto, mais difícil se lhe tornava fazê-lo, enquanto que Machadinho dispunha do ano inteiro para compor...
A propósito do recheio do seu armazém, sito nas baixas da residência no largo da Lagoa, repleto de apetrechos de toda a ordem, compôs Machado Gonçalves irónica versalhada, publicada há perto de sessenta anos e que ainda hoje corre mundo, na qual se esmiuçava, com muita graça, a existência que comportava certo estabelecimento, atravancado na rua do Cap. João Carlos de Mendonça e ocupando precisamente o local onde hoje se encontra uma palmeira e fora pertença de uma tal Teresa Vitória. Reza, assim, a primeira estância do poema:
Compadre
«Tem ainda na memória
Aquela mulher simplória
Chamada Th 'reza Victória
- Casa ao pé da Igrejinha?
Que vendia sem remoques
Toscos paus de coloques
Sapatinhos com berloques,
E mais coisas que ela tinha?
Sempre em permanente boa disposição, os ditos de espírito de mestre Dentinho não tinham fim e fizeram carreira. Brincalhão de mão cheia, foram inúmeras as partidas que fazia a quem topava a jeito. Vamos relatar algumas delas: José António Dentinho viajava sempre em 3a classe nos comboios. As filhas, essas preferiam ir de 2a. Perguntando-lhe alguém a razão da desigualdade, o velho marinheiro respondeu de pronto: «É que elas ainda têm pai, eu é que já não tenho!
Uma noite, deslocou-se a Faro, acompanhado por um dos filhos no automóvel de certo advogado. Uma vez chegados e no momento de entrar em casa do causídico, este verificou que não levava o sobretudo que envergava quando se deslocara a Olhão. Pediu, então, a mestre Dentinho o favor de voltar ao carro e de ver se estava lá um pardessus. Passado um bocado, mestre Dentinho voltou, dizendo ao advogado: «- Não vejo lá parvo-surdo nenhum, só o que o que está dentro do carro é um sobretudo». «Pois é isso mesmo, senhor Dentinho!» - respondeu o dono do casacão.
Encontrando-se um dia em Tavira, foi-lhe perguntado pelo proprietário duma armação de atum se podia arranjar alguns ferros «lá por Olhão». Mestre Dentinho respondeu que tinha um armazém cheio de ferros e que fosse escolher à vontade. O homem radiante, deslocou-se com ele a Olhão e quando entraram no armazém, atulhado de tudo, a lembrar a «casa da Teresa Vitória», José Dentinho disse para o comprador, que não enxergava o que lhe fazia falta: «Aqui tem ferros com fartura! Escolha à vontade!». - O visitante, descoroçoado, voltou-se e disse para o brincalhão, que estava farto de saber os ferros que ele queria: «- Não são ferros destes, senhor Dentinho, são ferros para as armações!». «-Então porque não me disse logo que eram ferros desses!» - respondeu com toda a calma mestre Dentinho. «- Desse não tenho, não senhor!».
Havia em Olhão um vendedor ambulante de óculos e lunetas, como ele tinha por hábito apregoar. Era natural da Galiza e o seu apelido Espinosa. Mestre Dentinho chamou-o numa tarde em que estava bem disposto e pediu-lhe para mostrar óculos, dizendo que precisava de comprar uns para poder ver melhor. O galego acedeu da melhor vontade, abrindo a caixa de madeira onde os transportava, presa ao ombro por uma correia. Mestre Dentinho ia tirando óculos da caixa, experimentava-os e depois dizia: «- Não vejo nada!». - O espanhol, sempre agradável, ajudava na escolha: «- Veja lá agora com estes». - O pretenso comprador encavalitava-os no nariz e o resultado era novamente negativo: «- Com este ainda vejo menos!» - voltava a afirmar o brincalhão. A caixa ia-se esvaziando e não havia óculos da bitola desejada. Até que em certa altura o Espinosa atentou bem no mestre Dentinho e viu que ele tinha os olhos fechados. Admirado, fez-lhe esta observação: «- Mas o senhor tem os olhos fechados!». «- Pois tenho!» - confirmou o folgazão, que elucidou da razão de tal: «- Pois com os olhos abertos vejo eu! ... ».
José António Dentinho morreu numa quarta-feira, dia 11 de Fevereiro de 1931, contando com 76 anos de idade. O seu funeral constituiu sentida manifestação de pesar, incorporando-se no préstito fúnebre alguns milhares de pessoas de todas as classes sociais. Da sua residência até ao cemitério organizaram-se sete turnos, constituídos por figuras de destaque nos meios de Olhão e Faro. Estudantes, etc...
A MEU AVÔ JOSÉ ANTÓNIO DENTINHO
O dia vence
A cegueira da
noite
Homens
nascem...
E desaparecem
Outros
Deixam páginas
da vida
Histórias
vividas
Que merecem
Serem
Em Silêncio
Ouvidas
Os anos passam
Como um
lamento...
Gente d’Olhão
Afoita
Aventureira
Não deixam
Que na memória
Passe o vento
Do
esquecimento
Dos Homens de
Primeira
O Homem de
quem
Vou falar
Desta terra
d’Olhão
De gente boa
Que bem
conhece o Mar
E dele com
luta,
Arranca o pão
Meu Avô começa
a
vida...
Ainda
menino...
Entra na
labuta do Mar
Cresce...
Casa...
Mais tarde...
Na chalupa...
Ruma a
Gibraltar
Pronto,
decidido
Com argúcia
Faz negócio
Carrega a
mercadoria.
Sapatos do pé
direito
E chega a
denúncia a Olhão
Que gera
efeito...
A guarda,
cheia de fé
Apreende o
calçado
Dum só pé...
Mais tarde.
Arrematou-o
por qualquer tostão
Ruma de novo
ao Mar
No regresso
Do norte
d’África
Outros sapatos
traziam...
Claro...
Do pé esquerdo
E a guarda, de
novo
Tudo
apreende...
Em vão
Quem quereria
andar
Só com um pé
no chão?!
Compra, na
Alfândega
No leilão tudo
legal
Trabalho foi
juntar
O esquerdo e
direito
... e fez
feliz
Quem os
calçava.
Material bom
Sem defeito
E com cifrão
Que sobrava
Histórias,
tantas foram
Nos tempos
áureos
Do contrabando
Até as pedras
da calçada
Se “vestiam”
Qual quadro de
Columbano
Os filhos
estudaram
Foram homens
na vida
... um dia, no
comboio
Com mestre
António andaram
Ele...
Em terceira
classe
Com assentos
de madeira
E os
meninos...
Esses iam em
primeira
Alguém então
perguntou:
“o filho em
primeira vai
E você mecê
por aqui
Em terceira?!
Pois é,
compadre
É que os meus
filhos
Ainda têm
Pai!!!
Este homem
astuto
Como poucos
Inteligente
Sensível
Dava a vida
Pelas vidas
E também foi
Da maçonaria
Fez versos
Foi poeta
popular
Foi, como
alguém disse
Um romântico
Da marinharia
Neto deste
Homem
Por aqui fico
Quando nasci
Quis ele saber
o nome
Do menino.
“Ele se vai
chamar Henrique”
Oh! Diabo!
O moço nunca
vai ser rico
E acertou -
bateu no sino
Não conheci
meu avô
Sei o que sei
Pelas buscas e
conversas
Dizia...
Quando
morresse
Se iria do
mundo libertando
E acertou...
Acabou na
sanita
Defecando
Se me
deixassem acrescentar
Mais um verso
A este Homem
singular
Diria que
mestre Dentinho
Era forte como
os valentes
É mesmo um
filho d’Olhão
Da vazante à
maré-cheia
Da luta destas
gentes
Esse homem
Meu expoente
Guardo-o
Bem guardado
no coração.
Henrique Dentinho (H.D)